Revista Pedra&Cal

Reabilitação do Património Construído no Algarve

Indíce

02 Editorial

04 Projecto RECOPAC
Um manual para a reabilitação do edificado algarvio
 V. CÓIAS E SILVA, ANA CRAVINHO

06 Entrevista - Eng.º José António de Campos Correia Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve
Uma região diferente e mais competitiva
 CARLA NICOLAU FERREIRA

10 Origens da arquitectura de terra em Portugal
 FERNANDO PINTO

12 Caso de Estudo
Construção tradicional algarvia
 ANA CRAVINHO

14 Paredes de terra crua
Condicionantes associadas aos seus revestimentos
 PAULINA FARIA RODRIGUES

16 Fortificações islâmicas em taipa militar
É a sul do território português, no Alentejo e no Algarve, que se encontram algumas das mais bem conservadas fortificações islâmicas, em taipa
 MARIANA CORREIA

18 Terra Projectada
Um novo método de reabilitação de construções em taipa
 V. CÓIAS E SILVA, JOSÉ PAULO COSTA

22 Obras de restauro da Sinagoga de Lisboa Shaaré Tikvá
Um século depois de ter sido construída, a Sinagoga de Lisboa, designada por Shaaré Tikvá (Portas de Esperança), sofreu obras de restauro no seu interior e alterações no exterior
 PEDRO SILVA

23 Casa de Serralves
Um estudo cuidadoso e materiais adequados evitam remover os rebocos antigos
 JOÃO NASCIMENTO

26 Terraços de Bragança
Construção em taipa de réplica da muralha fernandina
 JOÃO VARANDAS

27 Centro da Terra - Valorizar e desenvolver as arquitecturas de terra
Nascida em 2003, a Associação Centro da Terra (CdT) tem por objectivo estudar, documentar e difundir a construção com terra crua, assumindo-se como um espaço de contacto entre todos os que mostram interesse nas potencialidades deste material
 MIGUEL ROCHA, CATARINA PEREIRA

28 Museu do Estuque
O espólio de Baganha
 MIGUEL FIGUEIREDO

30 Centro de Conservação e Restauro
Pela salvaguarda do património cultural e artístico
 CARLA NICOLAU FERREIRA

34 As Leis do Património
ANova Lei das Rendas
 A. JAIME MARTINS

36 D. Fernando II e a cruzada em prol do património arquitectónico nacional
 HUGO XAVIER

38 Vida Associativa

40 Notícias

43 Agenda

45 e-pedra e cal
Viagem ao centro da terra (online
 JOSÉ MARIA LOBO DE CARVALHO

46 Livraria

49 Associados GECoRPA

52 O século do moderno
Inventariar para conhecer / Conhecer para preservar
 NUNO TEOTÓNIO PEREIRA

Preço: 4,48 €

N.º 24
Reabilitação do Património Construído no Algarve

“Não há casas clandestinas nas ilhas (de Faro, do Farol, da Ria Formosa) porque toda a gente assistiu à sua construção.”


As minhas primeiras férias algarvias, no longínquo Verão de 1962, deixaram-me na memória registos indeléveis. Da quinta dos meus tios, nos arredores de Portimão, via-se o mar, e, ao longo da linha das arribas, apenas se vislumbrava uma casa, a "casa do alemão". Íamos todos a pé até à praia do Vau, à sombra escassa de alfarrobeiras, calcorreando a areia seca do leito estival de um talvegue. A praia estava sempre quase deserta, a água cristalina e, mesmo a pouca profundidade, descobríamos polvos, chocos e uma grande variedade de peixes. À noite, sobre a açoteia ainda quente, deitávamo-nos no escuro, por entre pilhas de amêndoas e maçarocas, e admirávamos o magnífico firmamento, onde as estrelas brilhavam intensamente. O silêncio só era perturbado pelas nossas vozes e pelo cantar dos grilos, lá em baixo.
 
Pretender manter esse Algarve prístino até aos dias de hoje seria, sem dúvida, utópico. Mas a questão é: o que se fez, de então para cá, foi o melhor que se poderia ter feito para os interesses do país? Provavelmente foi o pior. Dos anos sessenta para cá o "desenvolvimento" do Algarve tem-se traduzido, basicamente, em betão, asfalto e campos de golfe, num festim para promotores e construtores de todos os tamanhos e feitios, que dura até aos dias de hoje. Ainda recentemente, com a discussão do POOC, Plano de Ordenamento da Orla Costeira (ou será "Plano de Ocupação da Orla Costeira"?), os poderosos lóbis do imobiliário e da construção juntaram a sua voz ao coro da populaça instalada nas barracas e maisons erguidas clandestinamente nas ilhas e cordões dunares, para fazerem valer "direitos adquiridos". Com a ajuda de autarcas, planos de urbanização prescritos são "desenterrados", a faixa de protecção costeira é reduzida a metade e a zona de protecção lagunar é urbanizada. É assim em Valde Lobo e é assim nas ilhas-barreiras da Ria Formosa e nas Matas Nacionais de Montegordo e Vila Real de Santo António1. Para os ricos, as villages e os resorts, para os pobres, as barracas e as maisons clandestinas em cima da praia. Uma estranha união de classes, comungando da mesma cupidez e falta de visão.
 
 
É assim no Algarve de hoje. A ganância de uns e a boçalidade de outros, perante a passividade ou conivência de quem deveria defender o bem comum, justificam um novo conceito urbanístico que já se vulgarizou lá fora: algarvisation, para descrever o fenómeno do caos urbanístico e degradação de regiões que deitam a perder um enorme potencial de atracção do turismo de qualidade, para se constituírem em destino de "pacotes" a preço de saldo para a classe média-baixa.

Sem pretensões a um tardio cavaleiro branco, é neste contexto que surge a reabilitação do edificado algarvio: os seus objectivos são, basicamente, dois: ajudar a salvar o que resta do carácter e da autenticidade do "Velho Algarve" e, ao mesmo, tempo, constituir uma alternativa a mais construção nova, ajudando a manter as construções recentes que o mereçam.

Saúdo, portanto, a CCRA e o programa INOVAlgarve, ao apoiar a iniciativa de produzir e pôr à disposição de arquitectos e engenheiros documentação que torne a reabilitação mais fácil e acessível, e a ajude a constituir-se como alternativa à construção nova.

1 Ver o artigo de Luísa Schmidt “Al(g)arvidades”, “Expresso”, 02-11-30
 
V. Cóias e Silva, Presidente do GECoRPA


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