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Vítor Cóias responde a perguntas do jornal “Sol” sobre qualificação dos profissionais da construção

"A reabilitação de construções existentes é, com frequência, mais complexa do que a construção corrente, quer em termos metodológicos, quer em termos tecnológicos. Para possuírem a necessária qualidade, ou seja, para serem eficazes e a preço razoável, as intervenções desta área exigem minúcia e rigor ao longo de todo o processo e, em particular, na fase de execução em obra. Isso pressupõe uma maior qualificação dos agentes envolvidos, quer ao nível das empresas, quer ao nível dos profissionais."

Jornal Sol: Numa altura em que a construção se encontra a passar um momento difícil sobretudo com o desemprego, quem são os trabalhadores deste sector que conseguem sobreviver no mercado?
Vítor Cóias*: É totalmente irrealista esperar que, em Portugal, a construção volte aos excessos dos anos de transição do milénio. Em resultado da deriva então verificada o País vê-se hoje a braços com perto de um milhão de habitações devolutas, com o inerente desperdício de recursos materiais, energéticos e financeiros. A queda do volume de construção é uma correção saudável, que só peca por tardia. Infelizmente traduz-se num excedente de mão-de-obra e, portanto, em desemprego. Dado que o nível de qualificação da mão-de-obra da construção é muito baixo, a situação dos desempregados da construção é particularmente difícil. Os operários qualificados conseguirão mais facilmente encontrar emprego, provavelmente no estrangeiro, nos tempos mais próximos.
 
Jornal Sol: As qualificações profissionais vão ser o factor chave para continuar?
Vítor Cóias: Em Portugal, a construção apresenta uma produtividade muito baixa (cerca de 1/3 da das suas congéneres europeias), ocupando um Jornal elevado volume de recursos humanos (é, em Portugal, o segundo maior empregador a seguir ao Estado, contando, antes da atual crise, à volta de 600 000 ativos). O documento Strategy for the sustainable competitiveness of the construction sector and its enterprises, da Comissão Europeia, prevê que a construção venha a ser cada vez mais confrontada com a necessidade de mão de obra qualificada para a aplicação de tecnologias avançadas e para a melhoria da organização do trabalho. 
 
Jornal Sol: A reabilitação poderá contribuir para uma maior necessidade de mão de obra especializada?
Vítor Cóias: De facto, a reabilitação de construções existentes é, com frequência, mais complexa do que a construção corrente, quer em termos metodológicos, quer em termos tecnológicos. Para possuírem a necessária qualidade, ou seja, para serem eficazes e a preço razoável, as intervenções desta área exigem minúcia e rigor ao longo de todo o processo e, em particular, na fase de execução em obra. Isso pressupõe uma maior qualificação dos agentes envolvidos, quer ao nível das empresas, quer ao nível dos profissionais.
 
Jornal Sol:
Que tipo de formação é fundamental para os trabalhadores da construção?
Vítor Cóias: É necessário, desde logo, melhorar o nível de literacia da força de trabalho da construção. Os recursos humanos da construção possuem qualificações muito baixas (2/3 não têm mais do que a antiga 4.ª classe), na linha do reduzido nível de literacia da população adulta portuguesa. Por outro lado, o Sistema Nacional de Certificação Profissional não produziu, na indústria da construção, se não efeitos muito limitados, centrados na construção corrente. O número das profissões do setor da construção em condições de serem certificadas mantém-se estagnado há vários anos, não chegando às duas dezenas, num total de mais de sessenta profissões. O número total de Certificados de Aptidão Profissional (CAPs) atribuídos a profissionais do setor, até ao presente, é pouco significativo, representando uma percentagem muito baixa do conjunto da força de trabalho. Para este insucesso muito contribuiu o facto da atribuição dos alvarás para o exercício da atividade de construção não depender das qualificações dos profissionais, aos vários níveis, existentes nos quadros das empresas construtoras. Apesar da importância do setor da construção para a economia e da sua gritante necessidade de qualificação,  a maior parte das profissões da construção não são profissões regulamentadas, nos moldes do Decreto-Lei n.º 92/2011, de 27 de julho, que criou o Sistema de Regulação de Acesso a Profissões (SRAP). O mais grave é que, segundo informação obtida junto da Comissão de Regulação do Acesso a Profissões (CRAP), que tem a missão de emitir pareceres sobre a fixação de requisitos adicionais de acesso a determinadas profissões, não se prevê que as principais profissões da construção venham a ser regulamentadas, ao contrário do que acontece na Alemanha, na Áustria, no Reino Unido ou em França, para citar apenas alguns países. Tal facto alinha bem com o facilitismo do passado, mas está em clara contradição com o que o que deve ser a estratégia do setor da construção, enunciada pela Comissão Europeia, como atrás referi. Isto é muito estranho. Dificilmente haverá intervenções de reabilitação com qualidade, em termos de eficácia e economia, sem que haja empresas qualificadas, e não haverá empresas qualificadas se não houver profissionais qualificados.
 
Jornal Sol: O que existe em matéria de formação para estes trabalhadores?
Vítor Cóias: Em Portugal existe, felizmente, uma vasta rede de entidades formadoras, quer públicas, quer privadas. Esta rede deve ser redirecionada, no que respeita à formação para o setor da construção, da construção nova para a reabilitação das construções existentes. É necessário que ofereçam cursos de formação especializada aos vários níveis, desde os oficiais -- pedreiros, carpinteiros, estucadores, cimenteiros, que executam na frente de trabalho as intervenções de reabilitação, até aos encarregados gerais que coordenam uma ou mais frentes de trabalho, passando pelos profissionais que preparam, planeiam e controlam as intervenções. A reabilitação faz apelo, por outro lado, a figuras profissionais novas, necessárias para aplicar tecnologias e materiais não tradicionais como, por exemplo, no reforço estrutural de edifícios.

Jornal Sol:  Qual será o futuro destes trabalhadores com as perspectivas tão negras para 2013 neste sector?
Vítor Cóias: O que é lógico é que a atual acalmia no setor da construção em Portugal seja aproveitada para corrigir o baixo nível de qualificação dos recursos humanos. Para isso, deveriam ser implementados programas sérios de formação dos trabalhadores da construção. Digo sérios, no sentido da eficácia das ações de formação, muitas vezes usadas pelos promotores como mero expediente de captação de fundos comunitários. Paralelamente, é necessário rever o regime jurídico de acesso ao setor da construção, tornando-o mais exigente no que toca à qualificação dos recursos humanos, a todos os níveis, presentes nos quadros das empresas candidatas. Sem essa exigência, não existirá estímulo à aquisição de qualificações por parte dos profissionais, nem à oferta de ações de formação para esse efeito, por parte das entidades formadoras. Com a retoma da economia e o lançamento de grandes empreendimentos de reabilitação do edificado e da infraestrutura, o setor da construção continuará a exigir vultuosos investimentos, originando emprego, desejavelmente, qualificado, em empresas com elevada capacidade técnica, a bem da eficácia e durabilidade das obras de reabilitação.

*Vítor Cóias é presidente da Direção do GEcoRPA - Grémio do Património
26/12/2012

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